A fragilidade da vida

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Quão numerosas são as tuas obras, Jeová!

Todas elas as fizeste com sabedoria.

Cheia está a terra das tuas riquezas.

Todos esperam de ti

que lhes dês de comer, a tempo.

Tu lhes distribuis, e eles apanham;

abres a mão, eles são saciados de bens.

Escondes o teu rosto, e eles ficam perturbados;

tira-lhes o fôlego, eles morrem,

e voltam ao seu pó.

Envias o teu Espírito, e eles são criados;

e renovas a face da terra.

Toda a carne é erva, e toda a sua glória como a flor do campo;

seca-se a erva, e cai a flor, porque o hálito de Jeová nela assopra;

na verdade, o povo é erva.

Seca-se a erva, cai a flor, mas a palavra do nosso Deus subsistirá para sempre.

Lembra-te do teu Criador nos dias da tua mocidade,

antes que venham os maus dias e cheguem os anos em que dirás: Não tenho prazer neles;

porque o homem se vai para a sua casa eterna, e os pranteadores andam pelas ruas;

Lembra-te também do teu Criador nos dias da tua mocidade,

antes que se rompa o cordão de prata, ou se quebre o vaso de ouro,

ou se despedace o cântaro junto à fonte, ou se desfaça a roda junto à cisterna,

e o pó volte para a terra como era, e o espírito volte para Deus que o deu.

Permaneça para sempre a glória de Jeová;

regozije-se Jeová nas suas obras.

 

Salmos 104:24, 27-31; Isaías 40:6-8; Eclesiastes 12:1, 5-7

494 anos da Reforma Protestante

Graças sejam dadas a Deus, que por Sua graça deu-nos Sua preciosíssima Palavra; e a preservou pelos tempos e civilizações, por meio de pessoas que deram suas vidas por amar!; e hoje a tenho em minhas mãos, escrita com esmero em minha língua materna! Sola Gratia! Soli Deo Gloria!!

 

“Quanto amo a tua lei! É a minha meditação de continuo.”
Sl 119.97

 

“Feliz o homem que não anda segundo o conselho dos iníquos
Nem no caminho dos pecadores se detém,
Nem na roda dos escarnecedores se assenta.

“Mas o seu prazer está na lei de Jeová,
E na sua lei medita de dia e de noite.”
Sl 1.1,2

 

“Guarda-me, ó Deus,
Porque em ti me refugiei.

“A Jeová eu disse: Tu és Senhor meu;
Além de ti, não tenho outro bem.

“Quanto aos santos que estão na terra,
Eles são os ilustres nos quais está todo o meu prazer”
Sl 16.1-3

 

(Citações da Bíblia Sagrada: Tradução Brasileira. Barueri, SP: Sociedade Bíblica do Brasil, 2010)

O Artista, Seu Público e a Arte

Pequeno ensaio exposto por mim na primeira edição do Arte e Prosa, que ocorreu nesse sábado na Minueto, e que serviu de orientação para a discussão que se seguiu.

O Artista, Seu Público e a Arte

Pedro Jardim

INTRODUÇÃO

O quê diferencia um pôr-do-sol de uma pintura? O quê diferencia uma flor que nasce, ou uma folha que cai de uma árvore de um poema? E qual a diferença entre uma ilustração de um livro de biologia de uma tela de Monet? Ou, o quê diferencia um artigo científico de uma poesia? Ou, uma reportagem bem redigida de um conto em prosa? Será a estética? Será o sentimento? A subjetividade? E o quê é a beleza? O que é Arte, afinal?

Quero introduzir hoje este tema com uma breve discussão sobre o conceito de Arte. Quero desenvolver esse conceito, em termos das relações intrínsecas ao trabalho e exposição artística, sejam elas subjetivas, interpessoais, sociais, ou religiosas.

Uma discussão deste teor nos há de permitir um posicionamento mais crítico em relação ao lugar da Arte no mundo, na vida do homem e, assim, nos fornecer diretrizes sobre o pensar e trabalhar a Arte. Sem discussões desse nível, corremos o risco de sermos reduzidos, como artistas, a modismos e vieses corrompidos gerando uma Arte pobre, irresponsável, morta.

BREVE CONCEITO: TRABALHO

Podem uma chapa de ferro caída no chão, ou algumas vigas metálicas espalhadas, uma árvore tombada, ou um homem vendendo queijo serem uma obra de arte? Bom, se eles foram colocados deliberadamente ali, ou, são deliberadamente capturados, podemos começar a pensar que sim.

Arte não é um feliz incidente completamente casual. O artista é responsável por sua arte; se assim não fora, aquele seria dispensável, seu papel na produção artística seria marginal, ou facilmente substituído pelo vento, a ação da gravidade, propriedades físicas e químicas da água, ou outro material qualquer, ou, na melhor das hipóteses, um animal que age instintivamente, irreflexivamente e estritamente em prol de sua sobrevivência e procriação (e se o homem se tornou dessa forma, certamente aí há alguma coisa errada). Arte é, portanto, deliberada.

Com essa discussão, surgem outras questões. Estou dizendo, então, que o trabalho feito por um passarinho ao construir seu ninho, ou por um galo a cacarejar, um vento a soprar, uma correnteza a desgastar a rocha, o sol pondo-se por traz das montanhas ao emitir luz que propaga-se pelo ar em diferentes comprimentos de onda, – tudo isso não é Arte.

A Arte não é feita pela natureza, ou até mesmo pelo seu Criador. Mesmo que haja beleza na natureza, que nos encantemos por ela, experimentemos sensações em relação com ela e nos ponhamos a refletir sobre questões metafísicas inspirados pela natureza. Arte é, portanto, um trabalho do homem. Somente o homem pode comunicar em aspectos físicos, químicos, biológicos, sentimentais, racionais, históricos, simbólicos, sociais, econômicos, quânticos,morais, religiosos, e ser inteiramente recebido por outro homem, capaz de o compreender plenamente, em toda complexidade. Por isso, até mesmo Deus para se relacionar com o homem, só o pode fazer por meio de outro homem, ou se Ele mesmo se fizer homem – o que seria uma outra discussão. (Obs.: Com relação ao trabalho criacional de Deus, podemos ainda dizer que Ele o executou do nada, ou a partir do nada, o que O difere categoricamente do trabalho humano).

Devemos dizer também, que Arte não é algo metafísico (apesar de incluir aspectos metafísicos), mas é um trabalho executado concretamente. Não que não seja alusiva, ou em certo sentido, “abstrata”, mas que ela precisa de um objeto – seja este, um pedaço de pedra esculpida, uma tela pintada, uma película gravada, uma folha de papel escrita, um som transmitido aos ouvidos, movimentos corporais assistidos, etc. – que a torne tangível aos sentidos de mais de uma pessoa. Arte não é, portanto, imaginação, sonho, emoções, sentimentos – apesar de poder evocá-los (que fique claro); não é algo que o artista sente, imagina, vislumbra, conceba em sua mente; é algo que alguém esculpe, pinta, filma, fotografa, escreve, toca, grava, dança, representa, cozinha, constrói, etc. Arte é ação, trabalho.

BREVE CONCEITO: DIÁLOGO

É claro que ser uma “ação humana deliberada” não é suficiente para uma obra ser considerada arte. Um artigo científico, uma ilustração de um livro de Biologia, uma reportagem, um comercial de um produto qualquer, muitas vezes, aparenta ser arte, mas, será que de fato podemos considerá-los como tal?

Tomemos o exemplo da escrita1. Seja uma poesia ou um artigo científico, apenas pelo fato de serem escritos são capazes de comunicar alguma coisa. Afinal, a escrita é uma forma de linguagem. Há, porém, duas formas de comunicação: o monólogo e o diálogo. Em uma delas, a comunicação é unidirecional; na outra, é bidirecional (uma via de “mão dupla”). Em uma delas, o locutor informa um conteúdo; na outra, ele o compartilha. Em uma delas, o leitor é passivo; na outra, seu papel na comunicação é ativo. Em uma, o conteúdo da linguagem se expõe; na outra, se dispõe.

Para clarear este argumento, vou usar de alguns versos de Mario Quintana:

  • “Arte é sugestão.”
  • “Toda arte é feita de silêncio – inclusive a própria música.”
  • “Livro bom, mesmo, é aquele de que às vezes interrompemos a leitura para seguir – até onde? Uma entrelinha… Leitura interrompida? Não. Essa é a verdadeira leitura continuada.”
  • “Uma das conquistas do cinema sonoro foi a descoberta do silêncio – o silêncio de quando se espera ou se imagina alguma coisa.”

A Arte se revela e se oculta, permitindo que o leitor “espere ou imagine”, com base no que foi dito, aquilo que está escondido no silêncio”. Isso dá a ele a liberdade – e a tarefa – de não apenas ler passivamente, mas de interpretar, atribuir significado. Ele a interpreta a partir de seu contexto, de sua experiência de vida, e, assim, contribui para o diálogo, acrescentando um novo ponto de vista à Arte. Para citar, novamente, Mario Quintana:

  • “A gente pensa uma coisa, acaba escrevendo outra e o leitor entende uma terceira coisa… e, enquanto se passa tudo isso, a coisa propriamente dita começa a desconfiar que não foi propriamente dita.”

Essa liberdade dada ao leitor reside, portanto, no silêncio.

A Arte , então, naquilo que se revela, alimenta o mistério daquilo que está oculto. Nesse sentido, pode-se dizer que a Arte guarda uma sensualidade que não se porta de maneira vulgar. Por isso, Mario Quintana diz que “toda confissão não depurada pela arte é uma indecência”. A Arte só é compreendida plenamente em uma relação profunda de entrega total, quando o leitor e a arte se dispõem um ao outro. E, nessa relação, ao ir compreendendo a Arte, o leitor também se descobre a si mesmo, à medida em que se abre para o diálogo.

Por isso, a relação com a Arte não deve, nunca, ser de consumo, o que seria a sua prostituição. A relação de consumo é uma relação egoísta em que um consumidor consome o prazer ofertado por um mercenário e este consome a riqueza daquele. E ambos saem espoliados, empobrecidos, insaciados deste relacionamento. Quando isso acontece com relação à Arte, nasce uma “cultura do entretenimento”, em que o consumidor é alimentado com bocados vazios e fugazes de “cuRtura” que visam a sua distração – um prazer vazio, fugaz e irresponsável –, e logo tem que tornar a buscar, rastejante, essa DROGA.

Uma Arte legítma não objetiva distrair o seu leitor e fazê-lo esquecer-se do mundo real e de qual é o seu lugar nele; pelo contrário, ela o encoraja a olhar com olhos sóbrios e responsáveis para o mundo – com suas belezas e feiuras – e aponta para uma esperança de “justiça, paz e alegria” (Ap. Paulo em sua carta aos Romanos, no capítulo 14, verso 17 – “…o Reino de Deus não é comer nem beber, mas justiça, paz e gozo no Espírito Santo”). É o que disse Vinícios de Morais ao escrever:

“Fazer samba não é fazer piada
E quem faz samba assim não é de nada
O bom samba é uma forma de oração

“Porque o samba é a tristeza que balança
E a tristeza tem sempre uma esperança
A tristeza tem sempre uma esperança
De um dia não ser mais triste não”

Isso não significa que uma obra deva sempre possuir elementos de tristeza e esperança, mas uma Arte rica é a que comunica a verdade – e nisso está a sua verdadeira beleza.

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1Escolhi a Literatura como exemplo pela maior facilidade com exemplificações, talvez pelo que o Mario Quintana diz: “Todas as artes são manifestações diversas da poesia – inclusive, às vezes, a própria poesia.”

Confessions – Agostinho

CHAPTER II

And how shall I call upon my God–my God and my Lord? For when I call on him I ask him to come into me. And what place is there in me into which my God can come? How could God, the God who made both heaven and earth, come into me? Is there anything in me, O Lord my God, that can contain thee? Do even the heaven and the earth, which thou hast made, and in which thou didst make me, contain thee? Is it possible that, since without thee nothing would be which does exist, thou didst make it so that whatever exists has some capacity to receive thee? Why, then, do I ask thee to come into me, since I also am and could not be if thou wert not in me? For I am not, after all, in hell–and yet thou art there too, for “if I go down into hell, thou art there.” Therefore I would not exist–I would simply not be at all-unless I exist in thee, from whom and by whom and in whom all things are. Even so, Lord; even so. Where do I call thee to, when I am already in thee? Or from whence wouldst thou come into me? Where, beyond heaven and earth, could I go that there my God might come to me–he who hath said, “I fill heaven and earth”?

BIS (extraído do livro Ortodoxia, de G. K. Chesterton)

“Um homem varia seus movimentos por algum leve elemento de incapacidade de fadiga. ele toma um ônibus por estar cansado de caminhar; ou caminha por estar cansado de ficar sentado imóvel. Mas se sua vida e alegria fossem tão gigantescas que ele nunca se cansasse de ir para Islington, ele poderia ir para Islington com a mesma regularidade com que Tâmsia vai para Sheerness. A própria velocidade e êxtase de sua vida teria a imobilidade da morte. O Sol se levanta todas as manhãs. Eu não me levanto todas as manhãs; mas a variação se deve não à minha atividade, mas à minha inação.
“Ora, para expressar o caso numa linguagem popular, poderia ser verdade que o Sol se levanta regularmente por nunca se cansar de levantar-se. Sua rotina talvez se deva não À ausência de vida, mas a uma vida exuberante. O que quero dizer pode ser observado, por exemplo, nas crianças, quando elas descobrem algum jogo ou brincadeira com que se divertem de modo especial. Uma criança balança as pernas ritmicamente por excesso de vida, não pela ausência dela. Pelo fato de as crianças terem uma vitalidade abundante, elas são espiritualmente impetuosas e livres; por isso querem coisas repetidas, inalteradas. Elas sempre dizem: “Vamos de novo”; e o adulto faz de novo até quase morrer de cansaço. Pois os adultos não são fortes o suficiente para exultar na monotonia.
“Mas talvez Deus seja forte o suficiente para exultar na monotonia. É possível que Deus todas as manhãs diga ao Sol: “Vamos de novo”; e todas as noites diga à Lua “Vamos de novo”. Talvez não seja uma necessidade automática que torna todas as margaridas iguais; pode ser que Deus crie todas as margaridas separadamente, mas nunca se canse de criá-las. Pode ser que Ele tenha certo apetite de criança; pois nós pecamos e ficamos velhos, e o nosso Pai é mais jovem do que nós. A repetição na natureza pode não ser mera recorrência; pode ser um BIS teatral. O céu talvez peça BIS ao passarinho que botou um ovo.”
G. K. Chesterton, em Ortodoxia